Ela tem sido chamada de várias formas. Esquerda cirandeira,
esquerda festiva e até de esquerda gregório-duvivierizada eu já ouvi falar.
Prefiro manter a alcunha de esquerda pós-moderna. Primeiro que bate mais pesado,
atinge com mais intensidade essa “new left” que tem ganhado um enorme espaço no
cenário político brasileiro atual, principalmente entre jovens estudantes,
universitários e secundaristas, e políticos que tiveram e têm certa voz nesse
espectro.
“Pós-moderno” é forte. Lembra Baumann, modernidade líquida,
aquela futilidade, relações e ideais descentralizados, o pessoal que gosta de
transformar posição política em status quo. Para muitos, até pega mal dizer que
não pensa dessa forma.
Além de ser caçadora de likes com seus “memes combativos”,
essa nova esquerda, com a atual crise política, também tem se mostrado extremamente
governista. E de forma chula. Não, não me refiro a lutar a favor da democracia.
Isso é de interesse de todos. É a famosa “peleguice”, para os esquerdistas mais
velhos.
Existe uma defesa quase que indireta do PT feita pela
esquerda brasileira (ou grande parte dela) nessa questão bem complexa da crise
política e na iminência do quase sacramentado Golpe de Estado parte II, que
demanda de forma também quase exclusiva de uma defesa à democracia, que foi
conquistada após vários esperneios e sangue alheio depois do Golpe de Estado
parte I. Veja: há algo maior. Muito maior. O PT não merece essa defesa, que é
mais colocar-se contra a direita conservadora, liberal e golpista do que
qualquer outra coisa. Ou pelo menos essa deveria ser a intenção.
O PT se aliou com o que há de pior na sociedade brasileira.
Grandes empresários, grandes corporações, políticos corruptos e mal-intencionados
– que por acaso querem derrubá-lo agora. E o mesmo PT também já declarou que,
caso se mantenha no poder, ainda pretende manter um pacto com esses mesmos
setores!
E além de tudo isso, já teve Golpe. Não há mais o que se
fazer. Outras lutas estão aí para terem suporte da esquerda. Mas não. Parece
que ela descobriu o PT há pouco tempo e ainda está passando por aquela época
que todos têm de amar o partido e as (ótimas, em partes) coisas que ele fez. Ou
que são guiadas por partidos/movimentos/coletivos alinhados com os do Partido
dos Trabalhadores.
Outra característica desse grupo recente é a forma tão simplória
e bonitinha que lidam com todas as questões que envolvem o papel da esquerda na
sociedade. Tudo se resolve de maneira fácil, em sua visão. Ou pelo menos se
combate de maneira fácil. Eles procuram um protagonismo de si próprios, e utilizam o ideal mastigado de esquerda como um alavancamento de suas próprias reputações, um destacamento no próprio grupo e na comparação com outros.
Torço e pleiteio por uma
esquerda que saiba ter bons discursos, ideais fortes e base popular crítica,
mas que também tenha o ímpeto de agir fisicamente quando necessário, por
exemplo. E não fique só fazendo poeminha, sarauzinho paz&amor, caçando quem
não troca a vogal que indica gênero por “x” e debatendo novos super-nomes para
identificar novos gêneros. Ou ocupando o vão do MASP com 50 pessoas pra gritar
“Não vai ter Golpe!” para um Golpe que já teve. Enquanto aluno leva cassete de
policial militar – ordenada por Geraldo Alckmin – na resistência das ocupações
escolares.
Hoje, a base popular de
esquerda é composta, praticamente, de estudantes secundaristas que estão tendo
a coragem de peitar as autoridades do estado e reivindicar seus direitos como
juventude. São eles que estão ocupando, que estão gritando, resistindo, levando
porrada e mantendo a dignidade. Não se escondem atrás de chavões ou
lugares-comum. Eles estão sendo esquerda.
E uma coisa curiosa que
podemos observar atualmente, principalmente nas redes sociais, onde a expressão
de opiniões e ideias é bem concentrada, é que essa esquerda pós-moderna
reivindica a luta diária contra o racismo, o machismo e a homofobia – algo
absolutamente válido e necessário –, mas nunca lembra do combate ao capital.
Para a “new left”, derrubar o capitalismo nem tem sido mais pauta, como se
todas as outras lutas não demandassem da exploração do capital em todos esses
séculos.
A cada dia, mais pessoas
aderem a isso. Talvez por não se envolverem com os fascistas de plantão, de
quem todo mundo quer passar longe, mas também para não ter de sacrificar coisas
que a esquerda, em sua origem, exige. Ninguém mais toca em luta de classes.
Ninguém nem ao menos menciona a revolução. Coraçõezinhos e depoimentos positivos
de reformas recentes feitas no estado capitalista parecem ser a solução da desigualdade
social.
Preguiçosa, despolitizada ou “fofa”
demais para assumir uma posição combativa? Não sei. Mas a esquerda pós-moderna se
afasta cada vez mais da classe trabalhadora, e adora tomar distância quando o
tempo fecha para alguém que desafiou o sistema – como foi o caso dos
estudantes. É uma esquerda que se humilha por defender quem já a abandonou faz
tempo, e assim se esquece de onde ela se originou. Ou ninguém chegou a ensinar
isso para ela.
Se dependermos dela, não
veremos muitas mudanças futuras. Além de sua mania de acariciar o sistema
capitalista com sua maneira tola e academicista de lidar com os problemas
sociais, ela vira as costas para a verdadeira luta da esquerda. A luta do povo,
dos trabalhadores, do proletariado, que sofre e não tem tempo e paciência para
suas voltas e reviravoltas, suas falaciosas formalidades, sua idealização de
mundo cor-de-rosa, sem tocar em seus privilégios e virar o sistema de ponta-cabeça.
Com eles, a já desgastada “virada à esquerda” vira discursinho vazio. Vira
conversa de rodinha com violão no parque ensolarado. É de fazer Marx, Engels,
Gramsci e Lênin se revirarem no túmulo.