Pesquisa aponta que 73% dos brasileiros estão insatisfeitos com a democracia; mesmo assim, ela é fundamental para que não sejamos vítimas d...

Democracia: ruim com ela, pior sem ela

Por | 17:18:00 Deixe um comentário
Pesquisa aponta que 73% dos brasileiros estão insatisfeitos com a democracia; mesmo assim, ela é fundamental para que não sejamos vítimas da influência de supostos “heróis” da Pátria.

A jovem democracia brasileira é aparentemente tão indesejada quanto necessária (Foto: Reprodução)
No texto da última semana, defendi a ideia de que a solução melhor para a saída da crise era as renúncias de Dilma Rousseff e Michel Temer, acompanhadas pela antecipação das eleições presidenciais de 2018 para esse ano. Sustentei essa visão baseada na necessidade de que o governo federal precisa recuperar sua credibilidade, e que essa tarefa seria muito facilitada caso houvesse uma legitimação das urnas.

Qual não foi minha surpresa ao entrar no G1, hoje (25) e me deparar com os resultados de uma pesquisa realizada pelo Ibope, que revela um grande apoio popular a essa medida. Segundo a pesquisa, nada menos que 62% dos brasileiros preferem novas eleições a um governo Michel Temer, ou ainda à continuidade do governo Dilma.

Em complemento a esse dado, há outro tão interessante quanto: para cada brasileiro que defende o impeachment da presidente, há três que preferem continuar com ela até 2018. Chega a ser meio paradoxal que a sociedade em geral seja tão crítica ao governo "que aí está", mas rejeite tanto a alternativa que prefira continuar com ele. Mas é o que a pesquisa sugere - ruim com Dilma, pior sem ela. Para mim, pessoalmente, isso só parece reforçar a tese de que Temer não tem condições de sustentar um governo sem o crivo eleitoral. Veja abaixo um resumo das respostas:



Análises e conjecturas à parte, porém, existe outro dado da pesquisa que vale ressaltar - e é algo relativamente mais relevante e simbólico, até. Fala da importância que o brasileiro supostamente dá à democracia em geral. Os resultados são, a meu ver, muito preocupantes.

Segundo o Ibope, nada menos que 73% dos brasileiros estão pouco ou nada satisfeitos com o funcionamento da democracia no Brasil. E pior: 49% da população não considera a democracia a melhor forma de governo possível - destes, 34% afirmaram que "tanto faz" (?) e outros 15% defenderam que, "em algumas circunstâncias", um governo autoritário é melhor. Um cenário extremamente hostil para uma nação que, até muito pouco tempo, estava afundada em uma sanguinária ditadura militar.

O posicionamento dos entrevistados, nessa pesquisa, me remeteu à infância. Eu já não sou o mais jovem da turma, tenho 28 anos (rs), e ainda me lembro muito bem de como aquele maldito Merthiolate (antiga fórmula!) ardia. Doía mais que o próprio ferimento. Mas tinha que aplicar, era o jeito... ruim com ele, pior sem ele!
Aparentemente, a população pensa da mesma forma: não é que eles achem a democracia um sonho, mas é melhor do que deixar os outros escolherem quem deve governar. E isso tem seu lado bom e seu lado ruim, como quase tudo na vida.

O lado bom é que o brasileiro, de um modo geral, entende que seu "protagonismo eleitoral" é sim importante, por mais que possa ser um dever indesejado por muitos. O fato de o voto ser obrigatório é um problema, infelizmente, porque obriga a sociedade a recorrer ao chamado "voto útil" mais vezes do que devia - como eu mesmo fiz em 2014. Assumir esse papel de protagonista da democracia é um pequeno passo adiante no longo processo de qualificação da democracia brasileira.

O lado ruim é que essa aparente falta de apreço ao processo democrático pode se transformar, em certas circunstâncias, no motivo perfeito para o surgimento de "heróis da nação", com seus discursos populistas e soluções simplistas, mas de forte apelo perante a sociedade. Muitas vezes, esses heróis surgem apoiados por poderosos grupos, e até mesmo pela grande mídia. Quase sempre, esses heróis acabam por se apropriar do poder popular e terminam afundando o país que pretendiam salvar.

Por sorte, aparentemente não chegamos a um estágio tal da crise política, que permita a qualquer um se colocar nesse papel. A figura política que mais se esforça para chegar lá é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que nessa segunda-feira foi alvo de um pedido de cassação de mandato por parte da OAB-RJ, devido à exaltação feita ao coronel Brilhante Ustra durante seu voto no processo de impeachment da presidente Dilma, no último dia 17. Nas últimas pesquisas presidenciais para 2018, o parlamentar desponta com algo em torno de 8% das intenções de voto - o que não é pouca coisa.

Uma possível ascensão de Bolsonaro ao Planalto, apesar de perigosíssima, faria sentido dentro do atual contexto global. Exemplos recentes mundo afora mostram que a democracia, por incrível que pareça, tem sido o mais eficiente trampolim de "heróis". Sim, eles já não recorrem aos golpes de Estado para ascender. Para ficar em dois exemplos apenas, cito a vitória conquistada ontem (24) pela extrema-direita nas eleições presidenciais da Áustria, na figura de Norbert Hofer, do Partido da Liberdade da Áustria, com mais de 16 pontos de vantagem em relação ao segundo colocado; e a cada vez mais evidente indicação do bilionário Donald Trump à presidência dos EUA pelo Partido Republicano, a despeito de todas suas ideias retrógradas, xenófobas e racistas.

São tempos mais que difíceis para o Brasil e os brasileiros. Existe uma encruzilhada pela frente, e o caminho a se seguir está sendo, no momento, decidido por muito poucos. Mas será que a nação terá forças - e vontade - para se fazer ouvir e respeitar? Ou a catarse provocada por um eventual impedimento de Dilma Rousseff será o bastante para calar os anseios da população por um protagonismo mínimo nesse processo? É esperar pra ver, e torcer para que continuemos livres dos "heróis" de ocasião.

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários: