O reducionismo simplório através do qual muitos tratam a atual divisão popular pela crise política é uma ofensa à complexidade da questão
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Crédito da Foto: Chester Chronicle/Reprodução.
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Vamos combinar que qualquer análise, um tanto mais racional
e menos odiosa, na atual crise política brasileira, é absolutamente válida. Até
os mais politizados se sentem confusos com a quantidade de fatores que implicam
em toda a questão, e na complexidade dos conchavos, disputas de poder, frentes
de militância, entre outras “categorias” desse debate social, qualquer
esclarecimento é sempre muito bem-vindo em tempos nos quais a ignorância surge
com a força de gigantes.
No entanto, uma certa simploriedade de algumas pessoas ao
tratar o espectro político e social atual tem me incomodado muito. Entre elas,
estão até mesmo pessoas bem instruídas, esclarecidas e formadoras de opinião.
São aqueles que reduzem toda a complexa divisão populacional como um simples “Fla-Flu”
– ou um Palmeiras x Corinthians, Gre-Nal, e por aí vai.
Primeiro que, sintetizar tudo o que está acontecendo em um
simples clássico futebolístico (independentemente do quão isso é importante
para muitas pessoas) é ignorar, senão ofender, todo o intrincamento que compõe
o assunto nesse momento.
Reconheço que os ânimos não andam no lugar, e os fogos,
gritos de guerra, comemorações e choros em vias públicas em frente a telões e
as ofensas e brigas em lugares públicos podem até ajudar a lembrar do clima de
estádio, mas para por aí. Deixamos de lado as várias ramificações que existem de
ambos os lados, os descontentes, os que pensam em algo maior para apoiar ou não
determinada frente, ou seja, todo o espectro presente e que nos inunda de
informação para processar.
O principal argumento para transformar o atual muro que
separa vermelhos e azuis em um duelo da grama é a bipolarização presente na diferença entre as duas
partes. Mas toda a história da sociedade não é feita de bipolarizações? Dois
lados mais fortes que se opõem, frente a frente, e disputam a hegemonia, ou
pelo menos um pouco mais de direitos. Atenienses contra Espartanos, Católicos
contra Muçulmanos, Burgueses contra Proletários, Democratas contra Autocratas,
Socialismo contra Capitalismo. A bipolarização social e política é histórica, e
não é o nível intelectual do debate desta que a tornará uma disputa esportiva
recheada, a princípio, apenas de rivalidade.
Entrando mais na questão do impeachment da (por enquanto)
presidenta Dilma Rousseff, muitos dos quais são contra o impedimento, não
apoiam Dilma e nem mesmo o PT – uma esquerda nem tão radical, e nem tão voltada
ao centro, podemos dizer. É uma galera que pensa em democracia, em estado de
direito, em uma série de coisas em primeiro plano, conquistas sociais que podem
estar sendo ameaçadas com as circunstâncias atuais.
Até a própria direita não é unificada. A que está à beira
de conquistar o poder no momento, quando deu as caras na Avenida Paulista na
manifestação a favor do impeachment, foi vaiada intensamente e teve de se
retirar. Não que essa população tenha os vaiado por ser contra corrupção, mas
ela se identifica muito mais com outra corrente direitista, insurgente – ou que
acorda após um longo tempo –, liderada por um certo deputado aí.
Além disso, o fator primário de toda a discordância sempre
foi, e sempre será, econômico e ideológico. Afinal, mesmo em um momento tão
conturbado, no qual não sabemos quem está em qual lugar, é isso o que define
esquerda e direita. Não interessa para alguém a favor do impeachment de Dilma
que um opositor de suas ideias não acredite no governo da presidenta, porque,
lá no fundo, quando tudo isso passar, esta pessoa sabe que a bandeira vermelha
nunca se misturará com a dela. Que a luta de classes continuará presente, e
independentemente do resultado da crise política, ambos continuarão sendo
rivais naturais.
E isso tudo é muito, muito complexo. Pelo menos para
resumir em um “Fla-Flu”. Nenhum militante que luta diariamente, que se instrui
para participar de forma fundamental em um debate social, que legitima suas
causas em seus discursos e atitudes e que encontra nos grandes problemas da
sociedade a grande motivação para seguir combatendo pelo que acredita, não
gostaria nem um pouco de ter sua posição reduzida a um torcedor de arquibancada
que fala mais com o coração do que com a mente.
Marx e Mises não são técnicos de futebol. Os dois lados não
são tão claros quanto parecem – mesmo que os uniformes, muitas vezes, ornem.
Não existem gols aos “48 do segundo tempo” que salvem o jogo, nem o jogador que
é expulso (ou pelo menos deveria) após cometer uma infração grave. O que existe
é um debate que precisa ser alimentado de ideias construtivas e opiniões
sensatas. É absolutamente despolitizado transformar todo esse contexto em um estádio, afinal,
após o término do jogo, ninguém irá para casa sabendo que tudo voltará ao
normal.